03/12/2009

Egoísmo

    Terminal da praça da Bíblia, que nome irônico para um terminal rodoviário. De fato é um local onde todas as religiões devem se tornar duvidosas. Pobreza, moléstias e pressa compõem o primeiro "ménage à trois" do desprazer. Duas blasfêmias brutas num só local. Uma em relação à bíblia e outra ao sexo.
     O caos é completo mesmo às vésperas do momento em que os ônibus param de circular. O movimento de pessoas é intenso. Mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, pinguços e desocupados trafegam pelas vias imundas de fumaça, sujeira, descaso e falta de educação dos próprios usuários. Hoje não foi diferente, exceto por um acontecimento inusitado.
    Estava eu pairando sob a placa do ônibus mais medíocre, imagino, do planeta. Sentei-me no chão, pois o cansaço do momento dispensava qualquer luxo.Todas as linhas de ônibus iam e vinham numa velocidade impressionante, só a que eu queria que não.
    A dor que freqüentou minha cabeça durante todo o dia começou a incomodar. O som de gente comendo, o cheiro de suor e a vontade de estar em casa fez com que a cefaléia criasse pernas e com elas sapateasse em meu cérebro. A paciência de Lenine não cabe àquele lugar.
    De repente, quatro moleques, um mais magro que o outro, trajando roupas largas para seus corpos de frango, chamaram minha atenção. Rumaram para o meu ponto 263 - PC Campus - Itatiaia - Praça da Bíblia. Seus rostos emitiam confusão, não do tipo que causa dúvida, mas conflito. Encaravam um rapaz também franzino vestido como um estudante adolescente. Quando finalmente o alcançaram, o folgado que tomava a frente e que parecia liderar o grupo disse em voz alta "você é de galera, né?" o vitimado tentou a diplomacia dizendo que tinham-no confundido com outra pessoa.
    Eles saíram, melhor, sublimaram. Não os vi por um bom tempo, até que o dois-meia-três chegou, parou e as pessoas, como gado no tronco, subiam na última condução do dia.
    Depois de todos nós condenados nos "acomodarmos" nos acentos limpos como a cara de quem os limpa, os briguentos finalmente apareceram, foram os últimos a entrar e o fizeram com o maior barulho possível. Talvez acharam que assim provocariam mais medo ou qualquer outra sensação tanto no indivíduo desafortunado quanto no restante dos passageiros, um fracasso só.
    Objetivos, partiram para resolver a pendência, coisa de gangue, pois a vítima foi acusada de ter "quebrado" um "amigo" dos frangotes. Pessoas que estavam no fundo do ônibus deixaram seus lugares para se livrarem de qualquer atitude desagradável que os "intimidadores" poderiam fazer. Permaneci quieto, de butucas e ouvidos atentos, tentando entender algo do que diziam.
    Ao som do motor obsoleto e mascarado por lataria de "transporte de primeiro mundo", as vozes dos guris pareciam meros sussurros aborrecidos. Tentei então observar sua linguagem gestual. Ameaçavam o coitado o tempo todo. Nesse instante, virei pra frente e fiquei imaginando o que faria se eu fosse o dono dessa situação. Ser ameaçado por quatro capas-de-gaita não deve ser tão aterrador, então, a única conclusão que cheguei é que iria tomar um remédio que fizesse a cefaléia sucumbir.
    Quando voltei à realidade, o azarado tirava com face triste seus calçados e sua blusa de frio. Um assalto num ônibus lotado; mas que ridículo. Em troca de seus bens, deram-lhe um soco barulhento e desceram do condução às gargalhadas, mas que moleques podres. O laço faz cada vez mais falta na educação das crianças hoje em dia.
    Pontos e curvas depois, desci do caixote automotor e comecei a refletir sobre o ocorrido: gente, não, coisas desse tipo deveriam sofrer. Nossa segurança "garantida" por impostos pagos a cada metro cúbico de ar respirado não depende somente de dinheiro, também da boa-vontade dos guardas, um mais barrigudo que o outro. Isso fez com que eu me questionasse duplamente: fiz certo em votar "não" para que o porte de armas-de-fogo não fosse legalizado? Será que o indivíduo mereceu? Para ambas as perguntas, tomara que sim. Ah, quer saber? Foda-se. Foi por pensar tanto que perdi a chance de perguntá-los se tinham um comprimido para dor-de-cabeça.

Por H. O.

3 comentários:

  1. Apesar de você não acreditar em mim, achar que eu sou parcial em minhas opiniões, a crônica ficou realmente muito boa, gostei muito! =)
    Acho que você descobriu mais um talento, amor.

    ResponderExcluir
  2. nooo...eu pensei que vc tava escrevendo uma coluna pra algum jornal.....O sangue de Jornalista vc ainda tem neh moa...hehehehe

    otimo...
    =***

    ResponderExcluir
  3. Acho que o Andre Luis confundiu a autoria dessa cronica. hehehe
    Acontece.
    Que bom que gostou da cronica.

    P.S.: tomara que vc, ao inves de confundir a autoria, nao tenha confundido a cronica que queria comentar. Hehehe.

    H.O.

    ResponderExcluir

Agora é sua vez de falar... vamos adorar saber sua opinião.