13/07/2010

Laborar em erro

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Naqueles dias em que a mente alcança dimensões holísticas tem início uma caminhada desagradável em busca de emprego. O balançar equilibrado da caminhada e o vacilo pendular da cabeça no passar das pernas são manifestações físicas de que há um pensamento ruminante infestando as curvas do pai dos pensamentos.

Um relógio cansado fincava seus ponteiros indicando que o dia chegava as suas 14 horas. Era uma quinta-feira de verão, o mais conturbado, climaticamente falando, que já presenciei em minhas décadas de vida. Estava num momento de revigoração pós-almoço caseiro, espremido entre as paredes resumidas de uma bóia, buscando coragem para voltar a amargar o sol de 40ºC.

A manhã foi um lapso excepcionalmente cansativo. A estafa da necessidade financeira acompanhada noites mal dormidas é instrumento inquisidor no aleijamento dos sonhos. O despertador, objeto rotineiro por qual nutro certo ódio, auxilia em meu despertar desonroso e desesperado. “Hoje eu arrumo um trabalho”, essas palavras pensadas são como miragem: corro, como o rato atrás do queijo, em sua direção, mas nunca as alcanço.

Cinco da manhã. Sem mãe, pai, filhos, família. A vida de desconforto – falta disso, daquilo e de comida – é só minha e do meu amigo estômago. Ao levantar, escovo os dentes com a higiene que a pobreza me concede. Lavo as louças, poucas, sujas de água rala de feijão e farinha. Tomo um banho, coloco minha melhor combinação de roupas – já surradas – para o dia de, quem sabe, trabalho.

Sorte

Ao menos, moro na região central da cidade, presente do meu pai, um rico decadente. A única coisa que sobrou. Com pasta e currículos nas mãos, começo a caminhada. É duro arranjar emprego, mas como sou formado em duas faculdades, esperava um pouco mais de facilidade; acredite: esse tipo de coisa não existe.

Botecos, bares, lojas de roupas, de acessórios; escolas, universidades, livrarias, sebos, shopping centers, mercados, armazéns, cooperativas de taxi, mototaxi; aeroporto, tapeçarias, padarias, açougues, brechós. Fui a todos os tipos de estabelecimento ao longo das ruelas, ruas e avenidas da região. Tudo trescalava o cheiro da esperança natimorta.

Hoje os calçados achados não suportaram a agonia de meus passos. Rasgaram-se suas laterais, deixando minha aparência surrada patética. Calos doem a tantos dias que começo a apreciar sua companhia. Sangue e suor não mais escorrem, tornaram-se carapaça brilhosa receptora de sujeira, agora o dia cambaleia de sono.

Silhuetas passam rápidas ao entardecer alaranjado, serpenteando pelo tráfego caótico do horário de pico, se dirigindo a seus carros ou pontos de ônibus. Lotação? Nem pensar. As poucas moedas que representam passagens para uns são o meu jantar. Voltei a pé, rua por rua, recolhendo gota por gota do suor vão daquele dia.

Em casa, o mofo se acumula em cogumelos que cogito comer. Panelas vazias organizadas e lavadas em cima da pia com água cortada. Roupas vão ao chão, com o que resta na caixa d’água, banho. “Janta”. Colchão. Vozes. Sono. Vozes. Despertador. Vozes. Mesa. Restaurante. Multidão. Relógio: 14h01. Sapato. Meias. Terno. Eu. Prato e talheres, minha companhia, deixo para trás. É hora de pagar a conta e voltar a trabalhar.

Por Hugo O.

04/07/2010

Fração

relogio-mural-branco-021

Nada.
Nada sou
Além de um
Extrato meu de
Mim mesmo.
Egoísmo compreendido
Na forma primordial do ser.
Sou eu o que eu penso.
Nesse segundo o que eu penso é:
Amor.

Por H.O.

02/07/2010

Significante

loveisthemovement

Soturnas são as luzes
Dançantes, variantes
Todas elas
Sob as pálpebras
Mortas de canseira
Que guardam os globos
Misóginos de claridade.
São focos de sonambulismo
Lúcido e atormentador.
É sono que não se dorme
Na ânsia de se descrever,
É desejo vicioso contido por dias
A se rastejar às roucas pela
Pauta muda e contínua e sedenta.
Ela é silente, viva com cobrança
Revolucionária* para que os velhos
Ventos atemporais retornem;
Fúria cardíaca bombeia sua pulsante
Agonia de e para ela mesma,
Que infla, se distribui e possui.
Se entregue, o jeito é escrever.

*Ver Bauhaus

Por H. O.