24/01/2010

A taxidermia do dia : momento empalhado com fins de eternidade

        Naquele dia, levantei-me cedo. Mesmo após ter feito a noite durar até às quatro da madrugada.
        Não importava, sentia uma corrente de disposição correndo pelo meu corpo com salpicos de ansiedade. Essa última nunca deixava meus batimentos em paz, tinha sempre que me lembrar
a razão de eu ter me levantado.
        Às 10 da manhã tomei meu banho, lavando minha preguiça de vez.
        A cada hora que passava meu objetivo se fazia mais definido em minha mente. Aquele nervosismo inerente a cada  homem, que é cáustico e divertido, digno e iminente ao encontro com ela.
        Sofreguidão. Essa é a palavra. Uma que tira o açúcar do sangue, nos faz pálidos e de cabeça pesada a carregar fardos de pensamento. De casa até o ponto de encontro levaram dois ônibus de demora e suas janelas somaram o maior conforto que tive durante todo o jovem dia, como bons ombros amigos.
        Eram 16 horas e eu não tinha mais conduções para tomar. Estava cedo, o horário marcado piscava em minha mente. Eram vários os elementos de nervoso que não me deixavam esquecer das responsabilidades.
        Fui até a casa de um amigo, um apartamento de onde podia-se ver a localidade. Naquele ambiente me senti mais leve, a gravidade que me castigou durante todo o dia, nesse momento me segurava. Os ombros de carne e osso me disseram que tudo iria correr bem e o tiroteio que exterminou as borboletas em meu estômago deu  uma trégua.
        Esse sentimento era anormal, rapidamente me tomou, me fez pulsar.
        Perguntei: será? e as palavras de resposta foram nesse sentido:
Dará certo hoje, bem como amanhã. Uma resposta automática percorreu meu cérebro, desceu, tomou posse da língua e a pronunciou: duvido.
        Premarei-me, assim mesmo, para ir. Estava quase na hora. Resolvi dar uma verificada num site de convivência, pois dias atrás recorri à opinião de melhor amiga, quase nunca falha. Ler aquilo foi como se eu tivesse crescido, ficado mais forte, a confiança chegou e minha mente duvidosa fez de si sua marionete.
A parte que importa
        Sentia-me em casa. A livraria sempre foi um ambiente perfeito. Os estilos, gêneros, tipos de livros e pessoas se misturavam; todos haviam encontrado seus livros, o meu ainda estava por chegar.
        Três minutos além do trato e ela chega. Seu sorriso. Seu cabelo. Seus pés. Suas roupas. Sua voz. Sua pele. Seu cheiro. A leitura fez-se saciada. A introversão era inconveniente, hora de ser eu.
        Conversamos por um bom tempo, saímos da livraria em direção ao cinema e eu segurando meus impulsos de tocá-la.
Paguei os ingressos ignorando qualquer discórdia em relação ao dinheiro. Estava tudo ótimo. A conversa fluía como olhos percorriam linhas de um livro escritas com experiência e prazer. Não desejava fazer outra coisa, só estar ali, em sua companhia.
        Deu a hora. A fila para entrar nas salas começava a se formar. Fomos um dos primeiros a entrar e ao nos sentarmos, minha tensão retornou.
        O cinema é um lugar interessante. Mesmo depois da facada de ânsia que tomei ao entrar, sabia que era lá que as coisas aconteciam, a atmosfera do lugar é experiente em produzir relacionamentos. Flagrei-me pensando em como faria, mas resolvi deixar a natureza tomar conta.
        Enquanto as propagandas passavam a conversa continuou, quando apagaram as luzes. De repente, todos se calaram e foi como se esperassem uma atitude de minha parte. Como para não decepcionar o público, me arrisquei.
        Sua mão direita estava deitada sobre o braço da cadeira e brilhava com as luzes do filme que acabava de começar. Sua cabeça estava para frente, como se estivesse congelada por meu olhar. Ela sabia. Estava nervosa.
        Mínimo, anelar, médio, indicador e polegar. Um de cada vez, inseguro,  fui recolhend0-os para minha mão, enquanto buscava as alterações que o nervosismo havia produzido em sua face. Nada, absolutamente. Ela era uma estátua com uma de suas mãos em uma das minhas. Senti um estalo, um sinal que indica o momento certo de agir. Fui.
        Estiquei-me de modo que meu rosto se alinhasse de frente para o dela. O mármore abriu um sorriso lindo. Me aproximei com o intuito de dizer nada, deixar a situação moldar os acontecimentos, porém, uma frase em voz fraca e rouca saiu: vem pra mim.
        O beijo dissolveu tudo. Do nervosismo até as paredes do cinema. O escuro tornou-se um claro de paz atingida. Nada mais via, ouvia, sentia além dos sorrisos colados um no outro.
        Foi doce, suave como o primeiro beijo na pessoa amada deve ser.

Por H. O.

18/01/2010

Alívio de verão.

Numa marmitex. É como me sinto. Sabe como é, o bafo quente que deveria subir com toda sua leveza de moléculas espalhadas à mercê dos ventos parece estagnado. O papel/material da qual é feita a embalagem da marmita reflete, em linguagem leiga, a temperatura emitida pela comida de volta pra ela, retendo o seu calor.
As antes ilhas de calor coalharam numa cidade-bóia que mantém seus habitantes com temperatura exocorpórea nada mais nada menos que 42 graus célsius, com sensações térmicas que variam entre 50 e 55 graus da mesma escala. Está impossível.
Nos tempos de infância, diria eu às forças que controlam o tempo que devolvessem meus hominhos, se não sabem brincar. Suar nas escalas atuais era uma coisa inimaginável há 10 anos atrás. Chame de pobreza, mas ainda bem pude ter uma infância sem camisa e descalço sobre o asfalto sem conseguir de brinde uma insolação ou queimaduras solares nos ombros e rosto.
Esta cidade que, desde 2007, se gaba por ser a mais arborizada do Brasil e a segunda em perspectiva mundial, com aproximadamente 94 m² de mata/habitante assemelha-se a cada dia que o sol a castiga com uma quentinha-capital disposta na grelha Centro-Oeste.
Mas todo esse quentume que nos faz goianienses habitantes de uma churrasqueira à bafo levanta uma questão interessante: como, com todos esses metros quadrados de área verde, essa cidade consegue estar tão infernal? Penso que a resposta esteja vinculada ao crescimento industrial, populacional, industrial et cetera que a cidade, digamos, sofreu nessa última década. Esse avanço que nos trouxe emprego, habitantes, status e vantagens afins nos proporcionaram – que me corrijam os especialistas - prédios por toda parte que, são além de moradia empilhada, barreiras que impedem a  circulação dos ventos, usinas que fumegam poluição contribuindo para formação de outras ilhas-de-calor que se transformarão em um estado-de-calor entre outras coisas que podem agravar nossa situação de forno, fazendo de nossa tão endeusada mata uma porção de brócolis, e sabe bem o gosto que tem brócolis...

Droga, enquanto fico a pensar bobagem, perdi a garrafa de uma das únicas coisas que suam não importa quão geladas estejam.
As gotículas surgem transparentes e contrastam enquanto escorrem gélidas e numerosas com a embalagem e com o louro conteúdo: cerveja.
Grito: chefe, desce outra gelada pra ontem! E o calor é que se foda!

Por H. O.